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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Professores indígenas: formar para preservar

 
 Formatura da 2ª turma de Licenciatura Indígena da Unemat educação indígena



Nas comunidades indígenas, são os professores que fazem a ponte entre a formação escolar tradicional e a preservação da cultura. A bagagem vem do contato com as universidades públicas do país, cada vez mais preparadas para atender a essa demanda
Thays Prado


Planeta Sustentável - 16/04/2010

Eles saem de suas comunidades indígenas e vão para os bancos das universidades se formarem professores. Como tal, têm uma dupla missão:
- levar para seu povo a informação necessária que os qualifique a viver em tempos em que já não são autossuficientes e precisam  e muitas vezes desejam  manter contato com a sociedade não indígena e  ao mesmo tempo, preservar e passar adiante, geração após geração, as tradições e a cultura de sua etnia.
O movimento indígena, em parceira com a FUNAI, as secretarias de educação municipais, as universidades e os governos estaduais e federais começam a consolidar essa formação, que vai desde os cursos técnicos de magistério, passando pelas licenciaturas interculturais, a nível superior, até as especializações e mestrados.

Atualmente, 19 universidades, entre estaduais e federais, participam do PROLIND, programa do Ministério da Educação, cujo objetivo é formar professores para dar aulas nos últimos anos do ensino fundamental e também no ensino médio.

Normalmente, os programas funcionam por módulos que acontecem tanto no espaço físico da universidade, durante as férias e recessos escolares, quanto nas próprias aldeias. A intenção é que os indígenas não sejam retirados por quatro ou cinco anos de seu território, pois eles perderiam o contato com a comunidade e haveria o risco de não quererem retornar. Se isso acontecesse, o programa perderia o sentido. Ao mesmo tempo, os professores não-indígenas têm a oportunidade de conhecer de perto a cultura de seus alunos e adquirem mais condições de auxiliá-los a fazer a transição entre o conhecimento formal e a dinâmica de seu povo.

Nos programas interculturais, a ciência convive bem com as crenças e as tradições. Quando as crianças da aldeia aprendem as teorias sobre a origem do universo, por exemplo, têm contato tanto com a visão evolucionista quanto com os mitos de criação da etnia.

Na Unemat - Universidade Estadual do Mato Grosso, a primeira turma dos cursos de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas foi criada em julho de 2001, a segunda, em janeiro de 2005 e a terceira, em janeiro de 2008. O curso é composto por três anos básicos e mais dois anos específicos em que o professor escolhe entre três habilitações: Línguas, Artes e Literaturas; Ciências Matemáticas e da Natureza e Ciências Sociais. Quando se formam, eles estão aptos a dar aulas no ensino fundamental e em disciplinas específicas do ensino médio em suas aldeias. Até agora, 200 professores indígenas concluíram a licenciatura, sendo 180 do estado do Mato Grosso e 20 de outros estados.

Na primeira turma, em função de uma demanda reprimida, os professores em formação tinham faixa etária média entre 30 e 40 anos. Na segunda, a idade ficava entre 25 e 35 anos e, atualmente, os professores são bem mais jovens, têm entre 20 e 30. Por questões culturais, há mais homens do que mulheres nas turmas, mas o número de professoras tem aumentado gradualmente. São as organizações indígenas que fazem a indicação dos candidatos para o curso de formação. Em geral, são pessoas que já atuam como professores. Como a demanda é maior do que a oferta de vagas, é feito um vestibular específico com questões relacionadas à educação indígena.

O professor ainda conta com a possibilidade de partir para a especialização em Educação Escolar Indígena, com duração de dois anos. Em 2004, 40 professores se especializaram. No ano passado, outra turma, com 60 vagas, foi aberta. Recentemente, um aluno da primeira turma de Licenciatura Indígena concluiu o Mestrado em Ciências Ambientais. A Universidade considera a possibilidade de implantar o mestrado específico para os indígenas no futuro.

Segundo o coordenador administrativo da Faculdade Indígena Intercultural da Unemat, Fernando Selleri de Silva, o objetivo dos cursos é que os professores indígenas assumam as decisões sobre as atividades educacionais em suas comunidades e pensem o projeto político-pedagógico das escolas em que atuam. “Eles estão em sintonia com as necessidades da comunidade e trazem questões relacionadas à cultura. Com isso, a educação oferecida tem mais qualidade”, diz Fernando.

Parte do material didático utilizado nas aldeias também é produzida pelos professores em formação. Só na Unemat, já foram publicados mais de 25 livros de autoria de professores indígenas, que também são distribuídos em escolas não-indígenas da região. Fernando Selleri observa que essa é uma forma de registrar o conhecimento da etnia, normalmente restrito à oralidade, e também de divulgá-lo para outras culturas, desfazendo equívocos.

A Faculdade Indígena Intercultural funciona em parceria com a Prefeitura Municipal de Barra dos Bugres, que oferece alimentação e hospedagem, a Secad - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do MEC, e as secretarias de estado de Educação e de Ciência e Tecnologia, que entram com o apoio financeiro, a Fundação Nacional do Índio, que fornece o deslocamento da aldeia até a universidade e as organizações indígenas, responsáveis por dar apoio e fazer o acompanhamento nas comunidades, além de ajudar a pensar os conteúdos que devem ser abordados nos cursos. O movimento indígena acompanha tudo isso de perto.

Em Belo Horizonte, na Faculdade de Educação da UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais, o curso de formação de professores do Magistério, equivalente ao ensino médio regular, existente desde 1995, foi o que gerou a demanda por um curso superior, a Formação Intercultural de Professores Indígenas, em 2006, e funciona em moldes parecidos com os da Unemat.

Tanto em uma universidade quanto em outra, há uma preocupação em selecionar docentes que já tenham experiência com a cultura indígena. Em alguns casos, intelectuais indígenas também são convidados a ministrar aulas e seminários. A coordenadora do curso de Licenciatura Indígena na UFMG, Ana Gomes, diz que as especificidades de cada grupo indígena são levadas em consideração na elaboração das disciplinas e que o diálogo com os alunos, que trazem muitas demandas das aldeias, e com as lideranças das diferentes comunidades é constante.

Este ano, a universidade abriu mais uma porta de acesso ao ensino superior para os indígenas, criando doze vagas a mais nos cursos de medicina, enfermagem, odontologia, ciências biológicas, ciências sociais e agronomia, exclusivas para eles. O ingresso ocorreu por meio de vestibular específico. Neste primeiro semestre, os alunos participam de um curso preparatório no Colégio Técnico da UFMG, que inclui disciplinas básicas da área de graduação e dá o suporte necessário para que eles possam acompanhar a turma, cujas aulas começam no segundo semestre. Todos têm auxílio financeiro e moradia oferecidos pela FUNAI e pela Secad. Durante o curso, cada um dos indígenas terá um tutor para acompanhar seu desempenho e também vai contar com o apoio de antropólogos, uma vez que, nesses casos, eles passarão os próximos anos na capital mineira, com pouco contato com suas aldeias. Quando se formarem, eles têm como compromisso retornar a suas comunidades e atuar como profissional a serviço de seu povo.

FONTE: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/educacao/professores-indigenas-formar-preservar-educacao-licenciatura-magisterio-dia-do-indio-550550.shtml

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